- Sistema dos Fosfagénios
- Glicólise
Sistema dos Fosfagénios (Sistema Anaeróbio Aláctico)
Nos desportos de potência, em que a actividade se caracteriza por esforços de
intensidade máxima com uma duração inferior a 30s, o músculo recorre a fontes
energéticas imediatas, habitualmente designadas por fosfagénios, como a
adenosinatrifosfato (ATP) e a fosfocreatina (CP). As células tem obrigatoriamente de
possuir mecanismos de conversão de energia. Por esta razão, necessitam da presença de
uma substância que tenha a capacidade de acumular a energia proveniente das reacções
exergónicas (reacções que libertam energia). É igualmente imprescindível que esse
composto seja posteriormente capaz de ceder essa energia às reacções endergónicas (que
consomem energia). Esta substância existe efectivamente nas nossas células e designa-se
por adenosinatrifosfato, vulgarmente conhecida por ATP. O ATP é um composto
químico lábil que está presente em todas as células. É uma combinação de adenina,
ribose e 3 radicais fosfato. Os 2 últimos radicais fosfato estão ligados ao resto da
molécula através de ligações de alta energia. A quantidade de energia libertada por cada
uma dessas ligações por mole de ATP é de aproximadamente 11kcal nas condições de
temperatura e concentração de reagentes do músculo durante o exercício. Assim, como a
remoção de cada radical fosfato liberta uma grande quantidade de energia, a grande
maioria dos mecanismos celulares que necessitam de energia para operar obtêm-na, de
um modo geral, via ATP. Deste modo, os produtos finais da digestão dos alimentos são
transportados até às células via sanguínea e aí oxidados, sendo a energia libertada
utilizada para formar ATP, mantendo assim um permanente suprimento dessa
substância.
ATP + H2O
De facto, a respiração celular representa a conversão da energia química dos alimentos
numa forma química de armazenamento temporário. No caso específico da fibra
muscular, essa energia química armazenada (ATP) é depois transformada em energia
mecânica, traduzida pelo deslize dos miofilamentos5 durante o ciclo contráctil. Em
suma, o ATP funciona como uma bateria recarregável, uma vez que pode acumular a
energia libertada por compostos de mais elevado nível energético e, posteriormente, cedê-la para formar compostos de menor nível energético ou para ser utilizada, por
exemplo, na contracção muscular.
A grande função dos 3 sistemas energéticos é, precisamente, formar ATP para a
contracção muscular, uma vez que o músculo esquelético é incapaz de utilizar
directamente a energia proveniente da degradação dos grandes compostos energéticos
provenientes da alimentação, como a glucose, os ácidos gordos (AG) ou os
aminoácidos. A razão pela qual isso é impossível, tem a ver com o facto de só existir
um único tipo de enzima nas pontes transversas de miosina - a ATPase – que só
hidrolisa ATP. Por isso todas as outras moléculas energéticas têm de ser previamente
convertidas em ATP, de forma a essa energia poder ser utilizada na contracção
muscular.
No entanto, nem toda a energia libertada pela hidrólise do ATP é utilizada na
contracção muscular.
De fato, apenas uma pequena parte dessa energia é utilizada no
deslize dos miofilamentos, uma vez que a maior parte se dissipa sob a forma de calor.
Aproximadamente 60-70% da energia total produzida no corpo humano é libertada sob
a forma de calor. Mas este aparente desperdício energético assume-se como
fundamental para que o ser humano se assuma como um organismo homeotérmico, i.e.,
um ser vivo com temperatura constante, permitindo-lhe funcionar 24h por dia, dado que
o funcionamento enzimático está, em grande medida, dependente da temperatura
corporal.
Com efeito, a maioria do ATP gasto no metabolismo humano visa manter
estável a temperatura corporal e não apenas assegurar energia para a contracção
muscular, que representa apenas uma das vertentes da utilização desta molécula
energética. Um exemplo do que afirmamos, pode facilmente ser constatado meramente
observando o aumento da temperatura corporal que ocorre num indivíduo que realiza
exercício e que resulta do facto dessa tarefa implicar uma maior degradação de ATP,
logo uma inevitável formação acrescida de calor, conduzindo à activação dos
mecanismos homeotérmicos de regulação localizados no hipotálamo.
No entanto, convirá referir que apesar da extrema importância do ATP nos processos de
transferência de energia, este composto não é o depósito mais abundante de ligações
fosfato de alta energia na fibra muscular. Com efeito, a CP que também apresenta este
tipo de ligações, encontra-se em concentração 4-5 vezes superior, sendo mesmo possível aumentar as suas concentrações musculares através de suplementação
ergogénica6 (de creatina) em 10-40%. As concentrações musculares de ATP e CP no
músculo esquelético de um sedentário são de 6 e 28mmol/Kg músculo, respectivamente.
Adicionalmente, as ligações de alta energia da CP libertam consideravelmente mais
energia comparativamente às do ATP, cerca de 13 versus 11kcal/mole7 no músculo
activo, respectivamente.
A CP não pode actuar da mesma maneira que o ATP como elemento de ligação na
transferência de energia dos alimentos para os sistemas funcionais da célula, mas este
composto pode transferir energia em permuta com o ATP. Quando quantidades extras
de ATP estão disponíveis na célula, muita da sua energia é utilizada para sintetizar CP
formando, dessa maneira, um reservatório de energia.
Deste modo, quando o ATP
começa a ser gasto na contracção muscular, a energia da CP é transferida rapidamente
de volta ao ATP (ressíntese do ATP) e deste para os sistemas funcionais da célula. Esta
relação reversível entre o ATP e a CP pode ser assim representada:
É importante referir que o maior nível energético da ligação fosfato de alta energia da
CP, faz com que a reacção entre a CP e o ATP atinja um estado de equilíbrio, muito
mais a favor do ATP. Portanto, a mínima utilização de ATP pelo fibra muscular utiliza
a energia da CP para sintetizar imediatamente mais ATP. Este efeito mantém a
concentração do ATP a um nível quase constante enquanto existir CP disponível. Por
isso podemos designar o sistema ATP-CP como um sistema tampão8 de ATP. De facto,
é facilmente compreensível a importância de manter constante a concentração de ATP,
uma vez que a velocidade da maioria das reacções no organismo estão dependentes dos
níveis deste composto.
Particularmente no caso da actividade física, a contracção
muscular está totalmente dependente da constância das concentrações intracelulares de
ATP, porque esta é a única molécula que pode ser utilizada para produzir o deslize dos
miofilamentos contrácteis.
Durante os primeiros segundos de uma actividade muscular intensa (ex: sprint),
verifica-se que o ATP se mantém a um nível relativamente constante, enquanto as
concentrações de CP declinam de forma sustentada á medida que este último composto
se degrada rapidamente para ressintetizar o ATP gasto. Quando finalmente a exaustão
ocorre, os níveis de ambos os substratos são bastante baixos, sendo então incapazes de
fornecer energia que permitam assegurar posteriores contracções e relaxamentos das
fibras esqueléticas activas. Deste modo, a capacidade do ser humano em manter os
níveis de ATP durante o exercício de alta intensidade à custa da energia obtida da CP é
limitada no tempo. Segundo vários autores, as reservas de ATP e CP podem apenas
sustentar as necessidades energéticas musculares durante sprints de intensidade máxima
até 15s. No entanto, dados mais recentes sugerem que a importância do sistema
aláctico9 se situa para além dos 15s, tendo sido sugerido que continua a ser o principal
sistema energético mesmo para esforços máximos com uma duração até 30s.
Convirá ainda referir que, em situações de forte deplecção energética, o ATP muscular
pode ainda ser ressintetizado, exclusivamente a partir de moléculas de ADP, através de
uma reacção catalisada pela enzima mioquinase (MK). No entanto, na maioria das
reacções energéticas celulares ocorre apenas a hidrólise do último fosfato do ATP,
sendo bastante mais raras as situações em que ocorra a quebra do segundo fosfato.
Glicólise (Sistema Anaeróbio Láctico)
Os esforços de intensidade elevada com uma duração entre 30s e 1min – por ex:
disciplinas de resistência de velocidade, tais como uma corrida de 400m, ou uma prova
de nado de 100m livres - apelam a um sistema energético claramente distinto,
caracterizado por uma grande produção e acumulação de ácido láctico. Por este motivo,
as modalidades que envolvem este tipo de esforços são habitualmente apelidados de
lácticas, dado que a produção de energia no músculo resulta do desdobramento rápido
dos hidratos de carbono (HC) armazenados, sob a forma de glicogénio10, em ácido
láctico, um processo anaeróbio que decorre no citosol11 das fibras esqueléticas e que se
designa por glicólise. Este processo, consideravelmente mais complexo do que o
relativo ao primeiro sistema energético, requer um conjunto de 12 reacções enzimáticas
para degradar o glicogénio a ácido láctico.
Deste modo, é possível converter
rapidamente uma molécula de glucose em 2 de ácido láctico, formando paralelamente 2
ATP, sem necessidade de utilizar O2.
Este sistema energético permite formar rapidamente uma molécula de ATP por cada
molécula de ácido láctico, ou seja, estes compostos são produzidos numa relação de 1:1.
Por este motivo, um corredor de 400m deve procurar desenvolver o mais possível no
processo de treino tanto a capacidade para formar ácido láctico, como a de correr a
velocidades elevadas tolerando acidoses musculares extremas, uma vez que o pH12
muscular pode descer de 7.1 para 6.5 no final de um sprint prolongado.
De facto, as
maiores concentrações sanguíneas de lactato observadas em atletas de elite, tem sido
precisamente descritas em especialistas de 400-800m, que atingem frequentemente
lactatemias13 na ordem das 22-23mmol/l. A razão porque estes atletas procuram
aumentar a sua potência láctica está relacionada com a maior produção de energia daí
resultante, uma vez que quanto mais ácido láctico formarem, naturalmente, maior
formação de ATP conseguem assegurar por esta via. Assim, a produção de ácido láctico acaba por ser um mal menor e inevitável quando se recorre a este sistema
energético, razão pela qual procuram desenvolver paralelamente no treino aquilo que,
habitualmente, se designa por “tolerância láctica”.
A glicólise é, por definição, a degradação anaeróbia (decorre no citosol) da molécula de
glucose até ácido pirúvico ou ácido láctico e é um processo muito activo no músculo
esquelético, razão pela qual é frequentemente designado por tecido glicolítico. Em
particular, os músculos dos velocistas apresentam uma grande actividade glicolítica,
pelo facto de possuirem uma elevada percentagem de fibras tipo II (fibras de contracção
rápida) com elevadas concentrações deste tipo de enzimas. Com efeito, a glicólise é a
principal fonte energética nas fibras tipo II durante o exercício intenso. A título de
exemplo, durante uma corrida de 400m cerca de 40% da energia produzida é resultante
da glicólise.
No entanto, as quantidades significativas de ácido láctico que se vão
acumulando no músculo durante este tipo de exercício, provocam uma acidose intensa
(libertação de H+) que conduz a uma fadiga14 progressiva (fig.1). Este último fenómeno
resulta de alterações do ambiente fisico-químico dentro da fibra, nomeadamente da
diminuição do pH, o que acaba por bloquear progressivamente os próprios processos de
formação de ATP na fibra esquelética.
Referências
-
Astrand P.-O. e Rodahl K. Tratado de Fisiologia do Exercício. 2a edição. Interamericana. Rio
de Janeiro, 1980
-
Brooks G. A., Fahey T. D., White T. P. e Baldwin K. M. Exercise Physiology: Human
Bioenergetics and its applications. 3rd edition. Macmillan Publishing Company. New York,
2000
-
Ganong W. F. Review of Medical Physiology. 19th edition. Appleton and Lange, East Norwalk,
Connecticut, 1999
-
Guyton A. C. Tratado de Fisiologia Médica. 10a edição. Interamericana. Rio de Janeiro, 2001
-
Wilmore J.H. e Costill D. L. Physiology of Sport and Exercise 2nd edition. Human Kinetics.
Champaign, Ilinois, 1999